junho 17, 2003

Far far away

Não gosto dessa gente que se apega demais às coisas do passado. Eu, enquanto canceriana nostálgica, sei bem do que estou falando. Nesse caso específico não me refiro a sentimentos. Falo de coisas concretas como roupas, tênis, aparelhos eletrodomésticos, relógios. Sinto certo desconforto ao ler ... "ai que saudade do Fusca" .. "como era legal beber mate no copo de papel na praia ..".

Sim. Essas coisas eram bem legais e talvez demore muito tempo pra a gente perceber o quanto elas incrivelmente boas. Vinte, trinta anos depois sentimos a falta delas e ficamos presos ao tempo que já passou. O Fusca, o Genius, o Grapete e tantas outras memorabilias 80's, 70's e 60's devem ficar onde estão. Na nossa lembrança. Essa onda anos 80 que nunca passa, me cansa. Faz anos que isso não acaba e nas boates as pessoas enloquecem quando ouvem acordes antigos de Kid Abelha, Legião e semelhantes. Reverenciar o passado tem limite. Nesse ponto, acho que Joaquim Ferreira dos Santos exprime bem o que quero dizer em sua coluna publicada ontem.

Lamento a derrubada das últimas casas ao redor da Lagoa. Acho, porém, que o drama é maior. Uma cidade não se vai da memória, não deixa de existir, só com a derrubada de seus tijolos e monumentos. Falta poesia, uma asa de borboleta azul das Paineiras, na compreensão do que nos é patrimonial. O tombamento da barraca do Pepê chegou perto. Uma cidade é feita de homens, livros, tapete de folha vermelha das amendoeiras da Glória, salada de batata do Bar Luís, nuvens deixando de fora só o rosto do Cristo e até mesmo certo odor acre que sai do Mangue. O humorista Jaguar dia desses mostrava-se perdido. Que Rio é esse, perguntava, se já não há botequim com o chão forrado de serragem? Estou com ele. Desce outro Steinhager. A primeira pro santo.


Esse assunto me lembra também a casa de um velho amigo apinhada de artigos 80's. O rapaz tá preso no túnel do tempo. Não recrimino. Acho até legal desde que a pessoa, por causa disso, não enxergue o que há de bom nos 90 e nos 00 (ainda que tenham começado há três anos).

Reverenciar o passado não é deixar que ele se torne presente. Falei bonito, clichê pra burro, mas é o que eu penso.

Vamos preservar sem sermos burros .. e completando com JFS:

Acima de tudo — cavalo de São Jorge, protegei! — assegurem a memória gustativa de milhares e devolvam o domingo às rabadas, mantenham as azeitonas dentro das empadas do Salete, congelem no nível que está a serpentina do Adonis, em Benfica. Não deixem que mexam — flechas de Sebastião, não permitam! — não deixem que se roube, ao sabor salafrário do que vai na caixa registradora, a alma de nossas línguas.

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