outubro 16, 2002

Porque me ufano de Joaquim Ferreira dos Santos

O coração pergunta

Infelizmente não sei, minhas senhoras. Não sei o que um namorado quer dizer, ''de verdade'', quando telefona para uma de vocês, depois de um longo sumiço, e declara que sente saudade. Desculpem a sinceridade, o coloquialismo luso, mas é que ando com muito apreço pela língua franca - sei lá, pô! Na boa.
Andei, é verdade, não nego, e vem daí toda minha tragédia, escrevendo sobre programas femininos na televisão. Coisas rápidas, blushes jornalísticos. Nada que não fosse apenas o servil cumprimento desta função nossa de cada dia - observar o que vai em sociedade e tentar relatar isso com alguma sagacidade. Jornalistas são sujeitos que não sabem nada com muita profundidade, mas procuram revelar essa ignorância com charme. É o que pacientemente tento aqui. Há sempre alguém que concorda - e foi aí, quando o blog Elas por Elas, um dos arautos da nova causa feminina, me indicou como referência de leitura macha sensível, foi aí, na contramão do slogan das Organizações Tabajaras, foi aí que os meus problemas apenas começaram.

Alguns críticos de mídia perceberam no rímel que usei num texto sobre os programas Superbonita e Sex and the city um mergulho ''na essência da alma feminima através da desconstrução da sua futilidade''. Fazer o quê?! É o tipo de observação que, por incompreensível, não agrega qualquer namorada ao currículo do elogiado - mas, por parecer inteligente, detona o programa do outlook express dos que sofrem e querem uma solução para seus males. E foram eles, os e-mails, às dezenas, que começaram a chegar em minha antes sonolenta caixa postal.

Eram pedidos de socorro e quero corrigir aqui, se ainda há tempo, qualquer possibilidade de fazer humor com a dor alheia. Estou solidário. Nem o dólar, nem a taxa de juros têm tantos livros, sites e programas de televisão querendo saber o que passa. As mulheres andam resolvidas o suficiente para repetir Miranda, a personagem de Sex and the city, e garantir que a monogamia tem suas vantagens, como não precisar se depilar a toda hora. Mas, ainda que pós-modernas debochadas, elas continuam espetadas por piercings e dúvidas. ''Por que meu namorado quando sai à noite comigo só usa o celular no vibracall?'' ''Existe vida inteligente embaixo do alisamento japonês?'' ''Meu namorado chora quando tem um orgasmo - esse é um sinal do novo homem sensível de que fala o seu artigo?'' ''A saudade dele é de verdade?''

Súbito, eu havia sido escalado, como era comum nas redações dantanho, para redator de consultório sentimental. Nelson Rodrigues usou nos anos 40 o pseudônimo de Myrna para aconselhar que só o amor justificava o sexo - não se podia amar e ser feliz ao mesmo tempo. Zsu Zsu Angel, na década seguinte, ordenhou multidões de corações pedindo calma, brotos, era preciso antes meter o dedo na aliança. Eu sei que o mercado de trabalho em jornalismo não está nada fácil e que não se deve fechar qualquer porta. Mas se Rosinha não, consultório sentimental também. Não estudei o suficiente. Justo eu, que dessa fruta das relações sentimentais não entendo abacate?! Eu que aro a minha horta particular com simplicidade alentejana, tudo sabedoria tirada dos fados de Amália Rodrigues?! Justo eu que não creio que as coisas do amor possam ser avaliadas pela experiência coletiva na matéria, mas pelo que melhor frutificar na experiência de cada um?!

Está evidente que elas, minhas queridas consulentes, não estão felizes com seus homens - e é mais ou menos isso que também vi este fim de semana na peça da Clarice Niskier, Buda, no livro da Clara Hutt, a Bridget Jones casada, e durante uma zapeada no divertido blog Homem é tudo palhaço. Elas andam fazendo o que bem entendem com seus corpos. Os rapazes, fingindo que não entendem, passam por cima de mais um debate sobre a relação e murmuram, ok, mas que continuem usando calcinhas sexy - e elas querem calcinhas confortáveis. Elas querem turbinar os peitos. Eles os preferem fofinhos. Elas querem que o homem continue cavalheiro - e até o especialista em relações do Fantástico disse este domingo que homem bom, homem maduro, não paga a conta dela no restaurante. Vai entender?!

A política cambial, o que fazer com a Palestina e as mulheres que seguem o estilo de vida da Samantha do Sex and the city - ninguém sabe exatamente o que falar sobre esses assuntos. E por isso, sem querer frustrar as expectativas de tantas leitoras simpáticas, sem fechar portas na redação, peço que me contem fora. Desculpem, mas não sei se há mais sinceridade no homem que seduz com versos de Bandeira ou no que joga pantanas. Depende. Também não tenho opinião formada sobre o sexo a três. Depende. O jornalista Antônio Maria teve uma coluna de conselhos sentimentais nos anos 60. Mas definitivamente os tempos eram menos complexos. ''Meu namorado só tem três dedos numa mão'', angustiava-se a leitora. ''Qual o problema!?'', rebatia Maria. ''O importante é que ele tenha sete na outra mão e apresente os dez na hora de mostrar serviço.'' Desculpem, queridas leitoras, mas me faltam dedos para apontar o caminho certo aos novos desencontros do amor.


Está no JB de hoje .. confiram.

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