dezembro 08, 2004

Tenho que repartir com vocês

Eu ando meio com medo de falar mal dos outros no blog porque li no webinsider que advogados estão mirando em blogs para abrir processo. Chato isso, não? O blog é seu, você cria, cuida, dá comida, lava roupa, passa e não pode abrir o verbo contra as malas que habitam esse mundo.

Mas ainda assim acredito que posso dar um jeito. Afinal, o que seria da vida se a gente não pudesse falar mal dos outros??

Pois bem. Vamos ao assunto que interessa. O autor escreve uma novela horrível, patética de tão ruim. Tão ruim que a emissora muda o elenco, faz uma atriz de bode expiatório e vê o Ibope despencar morro abaixo. Aí o cara recebe críticas pesadas dos críticos. Pois bem .. não aceita as críticas, passa mal, vai pro hospital, dá piti. Melhorar a novela que é bom, nada.

Pois bem. O cara se dá ao trabalho de responder aos críticos e escreve uma carta tão ruim quanto a novela. Mas eu não vou comentar a carta. Quem comenta é uma das jornalistas que eu mais admiro. Leiam e tirem suas conclusões:


Coisas de mulher

Ana Maria Bahiana

Muito já foi dito sobre a legitimamente folhetinesca missiva de Antonio Calmon, provocada por e dirigida a jornalistas que acenderam seu pavio. De tudo na carta, uma coisa me chamou a atenção de um modo tal que não posso deixar de comentar, por mais que eu queira me manter fora do alcance deste arranca-toco.

Foi este trecho aqui: ?Por que vocês odeiam tanto as mulheres? Por que você faz um trabalho de mulher?? Eu até estava seguindo o fiapo de raciocínio da trama novelesca na primeira frase. Na segunda Calmon me perdeu. Podem me chamar de ingênua, mas eu achava, sinceramente, que este tipo de expressão e a mentalidade que ela revela estavam mortas e incineradas em sociedades civilizadas. A não ser que Calmon estivesse sendo irônico ? uma possibilidade, decerto, mas uma possibilidade um pouco remota diante do tom apoplético do resto do texto.

O uso da expressão ?trabalho de mulher? para definir tudo o que é trivial, insignificante e desprezível era muito usado quando comecei a trabalhar profissionalmente, três décadas atrás. Nesse tempo não tão remoto, jornalismo cultural era repleto de status, projeção e salários relativamente bons. Era, portanto, a província de homens. Durante um bom tempo, fui considerada um fantasma _-certamente o pseudônimo de algum jornalista do sexo masculino impedido de trabalhar pelos rigores da censura. Claramente aquilo que eu fazia, do modo como eu o fazia, era trabalho de homem, não de ?de mulher?.

Na verdade, o primeiro endosso público do meu trabalho veio através de uma nota superbem intencionada de uma pessoa que, ao longo do tempo, aprendi a apreciar, respeitar e admirar, e por quem tenho grande carinho. Ele disse, sem meias palavras, que eu ?escrevia igual um homem?. Conhecendo o contexto, tomei a frase como um elogio.

Mas isso foi, como disse, algumas décadas atrás. Jamais imaginaria que, em pleno 2004, alguém fosse tentar ofender outra pessoa dizendo que ela faz ?trabalho de mulher ? - teria sido esta a intenção da frase? Ou teria sido um pouco pior - que mulher é intrinsecamente fofoqueira, maledicente, mesquinha como Calmon desenha, na carta, seus algozes/oponentes?

Esta pequena reflexão paralela oferece um breve insight em um aspecto intrigante do atual estado de coisas em boa parte do jornalismo cultural ? teria ele voltado aos meados do século 20, quando a cobertura da produção cultural não-erudita resumia-se, com raras exceções, a fofoca? Louella Parsons, Hedda Hopper, Candinha. Poderosas, sim. Populares, sim. Mas dificilmente no topo da pirâmide da consideração, do respeito, do status profissional. Trabalho de mulher, num tempo em que, em muitos países, mulheres não votavam e precisavam da permissão do marido para abrir crediário.

Temos hoje mulheres em todas as esferas da vida pública e profissional, e curiosamente nossa cultura da celebridade reinstaurou a fofoca no centro do que já foi um dos setores mais nobres do jornalismo. E então, num momento de fúria, um leitor ferido diz que seus possíveis detratores fazem ?um trabalho de mulher?.

É uma curiosa escolha de palavras para um estranho modo de fazer jornalismo.

Tá no Comunique-se para quem quiser acompanhar melhor a peleja.

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