novembro 26, 2002

É grave a crise

No meu tempo, novelas paravam a cidade. Sabemos que estamos envelhecendo quando repetimos essa frase para lembrar de algum fato que aconteceu num passado distante. Nesse caso, o tempo não é tão longo, mas parece bem distante. Há tempos não há uma boa novela na televisão brasileira. Eu sou do tempo de Janete Clair. Tempos de boas tramas, personagens de amor e ódio, assassinatos, paixões proibidas. O bom e velho melodrama, em sua melhor forma e conteúdo. A fórmula, no entanto, parece desgastada. Acho que nem tanto a forma, mas o conteúdo. Na dramaturgia nada se muda. Segundo Garcia Márquez, há apenas três histórias a serem contadas. O resto é variação sobre o mesmo tempo.

Paramos em Janete Clair. Os autores de hoje não são ruins. Sei que todos eles têm boas histórias. Mas são escravos do tempo, das pesquisas, do Ibope, dos anunciantes. Já não querem mais escrever, estão de saco cheio. Querem fazer sitcons, teatro, cinema. TV pra quê?

E porque não há mais Janetes?

A última grande dramaturga da televisão brasileira estreou como rádio-atriz na Tupi Difusora de São Paulo em 1943. Contratada pela Globo em 1967, teve como missão substituir Gloria Magadan. Tarefa cumprida com êxito, já que de sua hábil imaginação saíram clássicos como "Selva de Pedra", "Irmãos Coragem", entre tantos e muitos clássicos da nossa teledramaturgia. O cenário miserável de hoje me fez refletir. Goste-se ou não, a telenovela é um produto genuinamente brasileiro. Um povo tem que se resignar com aquilo que nasceu para fazer. Deve sentir-se feliz por fazer essa "tarefa" muito bem. Os americanos nasceram para jogar basquete; nós, futebol. Somos os melhores. Os ingleses nasceram para fazer teatro; nós, novela. E até pouco tempo éramos campeões, os melhores. Ainda somos, mas quanta diferença. Somos penta, certo? Mas compare a seleção de 1970 com a de 2002? Pois é ...

Triste mesmo é ligar a televisão e ver que a melhor novela atualmente "em cartaz" é uma reprise. As melhores novelas da Globo passam no "Vale a Pena Ver de Novo". Manoel Carlos ainda sobrevive ao atual marasmo. Seus personagens são cotidianos, suas histórias são como nossas vidas. Identificamo-nos com algumas coisas, rimos de outra e sempre nos divertimos. Mas até Maneco errou a mão em sua última novela. Sua próxima Helena será Cristiane Torloni. Mudou a cara, quem sabe o conteúdo. Vamos ver (e torcer).

A crise de autores é amplamente discutida. Como renovar? Acho que abrindo mercado. As audiências caem vertiginosamente. A novela ainda se paga, mas a qualidade se deteriora. De trás para frente: "Esperança" é um grande abacaxi. Nada acontece há meses e o autor parece estar pirado. Às 19h, trama de humor. Sempre uma solução. Por enquanto, mantém-se apesar da chata heroína. Mas os vilões sempre são mais interessantes. E a Lapa das 18h? Não merece comentários. Eu não moro naquele Rio de Janeiro. Muito conto de fada.

A crise é grave e aparentemente, sem solução. Onde não há concorrência, não há corrida pelo melhor. Acostuma-se. Mas o mínimo de senso crítico faz bem. "O Clone" foi uma novela patética, que se apoiou em seu conteúdo dito social. Tudo bem. Mas sou do tempo da boa ficção. Novela é serviço, mas acima de tudo é uma boa história.

Saudades de Janete Clair.

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