novembro 07, 2002

Poético Almodóvar

Fale com Ela (Hable com Ella; Espanha, 2000) pode ser o início de uma nova fase na carreira do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Uma fase mais contida, em tom menos vermelho e pouco berrante. Pode ser também o começo da maturidade, de uma maior complexidade nos roteiros e personagens. Antes que me xinguem, explico: todos os outros filmes tinham bons roteiros e grandes personagens. Como não lembrar do maravilhoso Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre; Espanha/França, 1999)? Há algo novo no cinema de Almodóvar. Fale com Ela é também o primeiro filme do diretor espanhol onde os homens ganham voz. Literalmente.

Fale com Ela pode ser muito e de fato, é.

Duas mulheres em coma, dois homens apaixonados. Duas histórias de vida que se cruzam no corredor de um frio hospital. Nada de vermelhos e amarelos. Em Fale com Ela temos um Almodóvar fotografado em azul e ocre. Benigno (Javier Cámara), enfermeiro (freak!) dedica sua vida a uma única paciente, a bailarina Alycia. No hospital, torna-se amigo de Marco, jornalista sentimental, que se envolve com a toureira Lidia (Rosario Flores) e perde seus motivos para chorar. Dois homens, duas realidades. Benigno procura entender as mulheres falando com elas, mesmo que seu objeto de paixão esteja inconsciente. Marco vive a mesma situação, mas não consegue romper a barreira do silêncio. Aos poucos, acaba por conhecer mais Alycia que Lidia. A distância mostra-se fatal.

Fale com Ela é um filme de amor. Doentio e assexuado como o de Benigno; carnal como o de Marco; fraterno na relação entre os dois. Mais que amor, Almodóvar capricha ao falar em dedicação. Exageros à parte, como na relação de Benigno, quem ama se dedica. O filme mudo, exemplar único na história do cinema, ilustra maravilhosamente essa relação entre casais "enamorados".

Menos político, menos rebelde, Almodóvar mostra-se poético e revela sem pudores sua paixão pela música brasileira. "Este Caetano me dá arrepios", diz Marco após ouvir o bom baiano cantando. Mais à frente, o mesmo personagem cita Tom Jobim. Não menos espanhol, vide as belíssimas cenas de tourada, e bem menos histriônioco, Pedro Almodóvar dá nova aula de cinema, mostrando com toques de humor, melodrama e poesia, até onde se vai por amor.

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